Mapa Mental

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domingo, 24 de abril de 2011

RESENHA DO LIVRO: "ETICA HACKER

A obra do filósofo finlandês Pekka Himanen é iniciada na sua introdução com o entendimento que os próprios hackers tem de si mesmos: “Indivíduos que se dedicam com entusiasmo à programação, que acreditam que o compartilhamento de informações é um bem poderoso e positivo, e que é dever ético dos hackers compartilhar suas experiências elaborando softwares gratuitos e facilitar o acesso a informações e a recursos de computação sempre que possível”. Esta conceituação traz consigo uma idéia que diverge do olhar do senso comum acerca da associação do termo hacker com criminosos da informática, ao contrário elege esses como detentores de uma grande responsabilidade social que é a de utilizar todo o seu potencial técnico e criativo para facilitar o acesso a informações e a recursos de computação sempre que possível. Ao desvincular os hackers de objetivos meramente comerciais, Pekka enfatiza o significado social não somente de atividades profissionais especializadas de informática, e sim de qualquer atividade profissional humana.
Uma das grandes lições que podem ser extraídas é a grandiosidade da motivação que move os hackers no seu trabalho, trabalho este no qual o prazer e o desafio caminham juntos com a liberdade, proporcionando um clima de criatividade extremamente necessária no profissional de tecnologia.
O motivo que leva os hackers do Linux a entrar em ação é que eles acham isso interessante e gostam de compartilhar suas descobertas com outras pessoas. E, a partir daí, é possível se divertir fazendo algo interessante e também preencher a parte social.
O livro trata do surgimento de uma nova ética do trabalho, diferente da ética protestante tão bem descrita por Max Weber há quase cem anos, onde a noção de trabalho aparece como dever, como vocação. A nova ética do trabalho é a caracterizada, pelos hackers. Mas, quem são esses hackers? A partir da própria orelha do livro, Himanen avisa: não se trata dos criminosos da computação -sentido recente e desafortunado que está tomando este termo-, mas sim dos hackers no sentido original da palavra, os entusiastas programadores de computação.
Entretanto, a bibliografia usada novamente desconcerta: de Platão a Richard Stallman – um dos maiores precursores do “hackerismo” e criador do GNU – à regras beneditinas e “statements” da SUN Microsystems, passando por Castells, Baudrillard, Dante e Agostinho (entre outros!). Surge então a inevitável pergunta: será que o autor conseguiu unir tantas e tão heterodoxas pontas e apresentar para o leitor um argumento convincente sobre uma nova ética do trabalho? Embora deixando temas em “aberto”, com muito de exploratório e sem a densidade rigorosa que se espera de qualquer “Ética”, o autor consegue definir um texto coerente e dinâmico. Com originalidade, coloca em diálogo algumas das grandes preocupações do homem de hoje e as questões do homem de sempre, mas, neste caso, apontadas para o atual contexto da Era da Informação.
A nova ética do trabalho, principalmente encarnada na atualidade pelos hackers, tem como precursora a academia. Os acadêmicos foram sempre um exemplo de relação mais flexível e livre com o trabalho. Por conseguinte, o autor apresenta no percurso do livro uma definição mais abrangente de hacker. Hacker é aquele entusiasta em qualquer tipo de trabalho, aquele que realiza seu trabalho com paixão, habilidade e cuidado artesanal. Aqui Himanen toma carona de um postulado dado por Torvalds no seu curto prólogo. Para o criador do Linux, existem três categorias básicas de motivações: a sobrevivência, a vida social e o entretenimento. Essa última, que vem depois de superadas as duas primeiras, deve ser entendida com E maiúsculo pois trata-se do tipo de estímulo que nos tira do tédio e do aborrecimento dando sentido às nossas vidas. Esclarece Torvalds que não está falando do entretenimento no sentido de jogar Nintendo mas sim do xadrez, da pintura e “da ginástica mental que envolve tratar de explicar o universo”. Por isso, o Entretenimento pode ser qualquer coisa intrinsecamente interessante e desafiante, mas no entanto fundamental na vida de cada pessoa.
Himanen, contudo, traduz “Entretenimento” por paixão: a dedicação a uma atividade que seja intrinsecamente interessante, inspiradora e que cause regozijo. Trata-se, diz, do tipo de relação apaixonada com o trabalho que historicamente caracterizou o mundo intelectual. Critica, portanto, a relação do trabalho com o tempo estabelecida pela ética protestante. A ética protestante baseia-se no postulado: “tempo é dinheiro” e coloca o tempo regular do trabalho como o centro da vida das pessoas. Hoje, se pretende não só a otimização do (tempo do) trabalho mas também a “otimização da vida”. O que acaba acontecendo é que o tempo de lazer e até o cuidar dos filhos assumem o padrão do tempo de trabalho. Fala-se muito, por exemplo, de “tempo flexível”, mas, segundo o autor, essa nova flexibilidade, embora contribua para uma organização mais holística do tempo, está reforçando a centralidade do trabalho e as novas tecnologias estão ajudando particularmente isso a acontecer, afirma Himanen. Os hackers, porém, não subscrevem ao adágio “o tempo é dinheiro”, e sim “o tempo é minha vida”.
Neste sentido, a ética protestante sempre foi uma ética do dinheiro. Segundo Weber, o valor mais alto era “ganhar mais e mais dinheiro”. Entretanto, na prática, tanto o trabalho, como o dinheiro constituíram-se em fins em si mesmos. Ainda mais; no antigo capitalismo, argumenta Himanen, o trabalho, como valor, posicionava-se mais alto que o dinheiro e, por isso, foi entendido como ética do trabalho protestante. Na nova economia, entretanto, mesmo que ainda possua um valor autônomo importante, o trabalho foi subordinado ao dinheiro. É assim que a nova economia informacional é também uma prolongação da antiga ética protestante. O que é enfatizado como valor supremo é justamente o dinheiro. Para os hackers, pelo contrário, o fator organizador básico da vida não é nem o trabalho, nem o dinheiro, é a paixão. Sua ética de trabalho enfatiza a atividade apaixonada e o ritmo livre do uso do tempo.
Entretanto, se no paradigma industrial uma pessoa era treinada para trabalhar das nove às cinco durante toda sua vida produtiva, esse não é mais o caso na economia informacional. O novo profissional informacional é “auto-programável “, tem a habilidade de re-treinar a si mesmo e adaptar-se a novas tarefas e processos. Ele deve aprender a ser seu próprio gerente e programar-se para trabalhar mais eficientemente. Não é por acaso, então, que muitos deles buscam a literatura de auto-ajuda, a literatura de “desenvolvimento pessoal”. Himanen analisa um a um seus postulados e constata uma coisa interessante. Essa literatura ensina as mesmas virtudes que a velha ética protestante ensinou através de Franklin. Mais ainda, essas virtudes têm seu precedente nas regras monásticas Beneditinas, na era medieval. São valores no sentido filosófico tradicional, ou seja, os objetivos finais que guiam a ação. Coloca o autor que, tanto no mosteiro, como na literatura de desenvolvimento pessoal, o que se oferece é a promessa de uma experiência de claridade e certeza para a vida. A vida torna-se mais manejável se reduzida a um objetivo para cada momento no tempo. Cada pessoa só precisa se concentrar em um ponto fixo e excluir todo o resto. Particularmente numa era como a nossa, complexa e acelerada, essa literatura promete um novo tipo de “salvação”. Não é por acaso que ela, como também diferentes fundamentalismos, tornaram-se mais atrativos na sociedade rede.
O autor conclui que, tanto nessa literatura de desenvolvimento pessoal, quanto no espírito da sociedade rede em geral, a lógica das redes de computador é aplicada aos seres humanos e a suas relações: “Os seres humanos são tratados como computadores, com rotinas mentais que sempre podem ser re-programadas de forma melhor…a gente deve se conectar com pessoas que são úteis para o nosso objetivo e se desconectar daqueles que não o são ou que inclusive sejam prejudiciais ao objetivo…” A lógica da rede e do computador nos aliena da preocupação direta com os outros, preocupação que é o começo de toda conduta ética. Na “sociedade-rede” [1] a ética teria sido substituída por uma filosofia de sobrevivência, e isto se explica a partir da atual relação com o tempo. A ética [2] precisa do pensamento sem pressa e da perspectiva temporal de longo prazo. Com a aceleração atual das práticas sociais surge, segundo Himanen, uma “barreira ética”, uma velocidade a partir da qual a ética não pode mais existir.
Himanen vê nos valores que guiam a conduta dos hackers a saída, poderíamos dizer, desta versão exacerbada -e até distorcida- da ética protestante. Na ética do hacker, o principal valor é a paixão, entendida como uma busca intrinsecamente interessante que regozija com sua realização. Os outros valores são a liberdade, no sentido de que o trabalho seja criativo e tenha espaço para o jogo e a experimentação, a abertura e o sentido social -a Internet e o computador pessoal, lembra Himanen, não existiriam sem os hackers que deram sua criação para outros- e, finalmente, o que ele chama de atividade e preocupação. A atividade é definida como a liberdade de expressão em ação. Ela inclui: privacidade para proteger a criação do estilo de vida individual próprio e rejeição da receptividade passiva, em benefício de uma busca ativa da própria paixão. A preocupação, no entanto, é o interesse pelos outros colocado como um fim em si mesmo e o desejo de se libertar, na sociedade-rede, da mentalidade de sobrevivência que tão facilmente surge como resultado de sua própria lógica. É por tudo isso que o autor acredita que a ética do hacker pode representar um espírito genuinamente novo. Nele, o sentido não pode jamais ser encontrado no trabalho, nem mesmo no puro lazer. Ele tem que surgir da natureza própria da atividade, da paixão, do valor social e da criatividade.
O “Epílogo” de Manuel Castells -a verdade seja dita- não tem muito a ver diretamente com a ética do hacker. Dá, isso sim, o contexto do mundo em que vivemos e assinala as profundas transformações que nos levaram do paradigma industrial ao informacional e, também, da mudança qualitativa que representa para a experiência humana viver em um novo tipo de sociedade: a “sociedade-rede”. Trata-se, na realidade, de um bom resumo da Era da informação -mas insuficiente quiçá, para quem ainda não leu a trilogia [3] – com algumas poucas ênfases novas a respeito da primeira edição de 1996 (a importância da revolução da engenharia genética, as características de “autômato” que tem tomado a estrutura social de rede, etc.). Reserva, no entanto, só o parágrafo do final para salientar a importância inovadora da teoria de Himanen sobre “a cultura dos hackers como o espírito do informacionalismo” -note-se que Himanen não fala exatamente disso, mas da ética dos hackers como alternativa possível ao espírito que está prevalecendo no informacionalismo. Mesmo assim, a leitura do “Epílogo” de Castells vale a pena como outra nova e sintética reformulação de sua instigante teoria sobre a desconcertante realidade em que vivemos.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Cibercultura

Cibercultura é uma expressão criada por Pierre Levy para sintetizar o mundo digital centralizando múltiplos usos.
Um exemplo é que a palavra ou texto deixa de ser apenas um agrupamento de letras e passa a adotar um conjunto de fontes de informações como desenhos, vídeos, gráficos, músicas, vídeos reforçando a idéia ou o conjunto delas iniciada.
Filmes como Inteligência Artificial ou Matrix são as películas com a marca da cibercultura. No mundo musical Billy Idol é um dos ícones e o ritmo tecno invade as pistas, rádios e tímpanos.
O filósofo Pierre Lévy no livro Cibercultura apresenta três princípios fundamentais para o programa da Cibercultura: a interconexão, as comunidades virtuais e a inteligência coletiva.
Lévy afirma que para a cibercultura a conexão é sempre preferível ao isolamento, é um bem em si. Para além de uma física da comunicação, a interconexão constitui a humanidade em um contínuo sem fronteiras. O segundo princípio prolonga o primeiro já que o desenvolvimento das comunidades virtuais se apóia na interconexão. Uma comunidade virtual baseia-se em afinidades de interesses, de conhecimentos, em um processo de cooperação ou de troca, independente de proximidades geográficas. Segundo Lévy o terceiro princípio, da inteligência coletiva, seria sua perspectiva espiritual, sua finalidade última. Concordamos com o autor pois não há comunidade virtual sem interconexão, não há inteligência coletiva em larga escala sem virtualização ou desterritorialização das comunidades no ciberespaço e a interconexão condiciona-as que são uma inteligência coletiva em potencial.
O filósofo Pierre Lévy (Cibercultura, 1999, p: 127) afirma no livro Cibercultura que são três os princípios fundamentais para o programa da Cibercultura: a interconexão, as comunidades virtuais e a inteligência coletiva. Lévy afirma que a para a cibercultura a conexão é sempre preferível ao isolamento, é um bem em si. Para além de uma física da comunicação, a interconexão constitui a humanidade em um contínuo sem fronteiras. O segundo princípio prolonga o primeiro já que o desenvolvimento das comunidades virtuais se apóia na interconexão. Uma comunidade virtual baseia-se em afinidades de interesses, de conhecimentos, em um processo de cooperação ou de troca, independente de proximidades geográficas. Segundo Lévy o terceiro princípio, da inteligência coletiva, seria sua perspectiva espiritual, sua finalidade última.
Concordamos com o autor pois não há comunidade virtual sem interconexão, não há inteligencia coletiva em larga escala sem virtualização ou desterritorialização das comunidades no ciberespaço e a interconexão condiciona-as que são uma inteligência coletiva em potencial.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

LINGUAGENS E TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO

Até esse momento, a característica básica da relação do ser humano com as máquinas é o fato desta ser sempre uma relação utilitarista-instrumental. A tecnologia aparece como neutra, está posta a serviço do homem, sendo definida socialmente em função do uso que será dado a ela.
Vivemos hoje um outro momento dessa relação homem-máquina. Essa nova perspectiva poderia ser sintetizada por uma única palavra: imbricamento. Poderíamos, nessa perspectiva, entendê-la como sedo centrada no fazer da razão (a techné do logos). Máquinas e seres humanos aproximam-se cada vez mais e, principalmente, passa-se a compreender que as máquinas surgem a partir do mesmo processo social que constitui o humano.
Assim percebemos que mudam as perspectivas de interação, uma vez que somos obrigados a incorporar essas múltiplas possibilidades de interação. O conhecimento científico passa a estar impregnado de novas dimensões conceituais, não mais centradas na simetria. Os métodos passam a ser outros, afasta-se, assim, a possibilidade do controle absoluto, tanto das variáveis como dos fenômenos. É possível buscar novos contornos para o conhecimento científico e, com isso, analisar as questões educacionais e o uso que estamos dando, na educação para as tecnologias de informação e comunicação (TICs).
A relação com o ser humano passa a ter uma outra dimensão, a partir do momento em que passamos a ter máquinas que buscam imitar o modelo de funcionamento da mente humana, essa relação máquina-ser humano passa a ganhar novos contornos.
Ao pensarmos nas pedagogias correspondentes a esse novo momento, não podemos imaginar a possibilidade de uma pedagogia centrada na lógica da assimilação. Ao contrário, precisamos pensar na possibilidade de pedagogias que nos dêem condições de trabalhar com a diferença enquanto elemento fundante do processo humano. O simples domínio da técnica não possibilita o uso da tecnologia no seu sentido pleno.
Com trabalho em redes, as telas assumem as novas interfaces intra-humanos, cria-se uma nova sociabilidade que, de um lado, pode afogar as individualidades; de outro, pode ser uma potencialização das mesmas. A linguagem das novas tecnologias baseia-se fundamentalmente em ver mais que ler e sentir antes de compreender. A multitarefa são as normas, os símbolos ditam as regras e as comunicações tornam-se mais rápidas.
Precisamos pensar na dimensão social da ciência e da técnica e, com isso, superar a concepção de sermos apenas consumidores dessas tecnologias e sim etendê-las como fruto de uma produção social. O uso que pode ser dado a essas tecnologias vai depender do tipo de sociedade que temos e, principalmente, do tipo de sociedade que queremos.
O que se busca, a partir desse enfoque, é a construção de um novo espaço educacional e comunicacional que tenha como bases essas redes de relações. Assim o substrato dessa nova escola será a diferença e não a identidade.
O conhecimento passa então a ser trabalhado como um espaço acontecimental, na singularidade do que acontece, com sentido e, ao mesmo tempo, ao nível da linguagem, num outro espaço, o das proposições, numa topologia de vizinhança das interações humanas. A aprendizagem seria dada pela interpenetração desses espaços através da intensidade e do sentido. A escola passa a se constituir num espaço aberto de interações não-lineares, ao contrário da perspectiva dominante, em vez de formar para o mercado, trabalhe numa perspectiva de fortalecimento da rebeldia.

A PRÁXIS PEDAGÓGICA PRESENTE E FUTURA E OS CONCEITOS DE VERDADE E REALIDADE FRENTE ÀS CRISES DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO NO SÉCULO XX

A reconfiguração da cosmovisão moderna está intimamente relacionada com as novas problemáticas, complexas, multipolares, que estão emergindo na contemporaneidade. Essas problemáticas têm provocado tensões, reconfigurações, articulações, implicações, no interior das formações sociais, subjetivas e políticas, sendo que os novos meios técnico-científicos têm papel significativo nesse processo.
Já a cosmovisão contemporânea tem mostrado que nenhum sistema pode ser olhado como se fosse isolado por completo e autodeterminado, e nenhuma imagem ou analogia é equivalente ao próprio objeto, pois elas estão impregnadas pelo viés de quem as está enunciando.
Realidade e verdade estão imbricadas uma na outra; o fato só se torna fato ao se tornar evidente e passar para a instância do dizível. É impossível dizer o que uma coisa é, a priori; ela é a cada acontecimento e nenhum desses acontecimentos são repetidos. Logo, não temos “a verdade!, temos “significações” que emergem a cada atualização, abertas a outras e constantes ressignificações.
A escola atual trabalha no sentido da reprodução e transmissão do modelo hegemônico, fechada à exterioridade. Mesmo quando o modelo pedagógico adotado admite as diferenças, trabalha no sentido de lapidar as arestas e conduzir a uma unidade, a uma identidade hegemônica.
A forma de pensamento que a escola e a universidade impõem aos alunos, desde a infância é, segundo Morin (1996: 275), a de um pensamento disjuntivo e redutor, ou seja, na escola aprendemos muito bem a separar – separamos um objeto de seu ambiente, isolamos um objeto em relação ao observador que o observa e buscamos a explicação do todo através da constituição de suas partes, na tentativa de eliminar a complexidade.
É necessário que ocorra uma transformação profunda, que incorpore as novas formas de ser, de pensar e de agir que estão emergindo na contemporaneidade, principalmente com a presença das tecnologias da informação e da comunicação, tanto na vida de fora como de dentro da escola. Esta presença está a exigir e pode provocar a construção de um novo modelo pedagógico, assim como está a exigir novas formas de construção de subjetividade, de relações sociais e ambientais.. É necessário entendermos a tecnologia não apenas como o fazer, mas também como o dizer, o entender, o intencionar o que se faz.
É fundamental entendermos a educação de forma mais abrangente, para além do espaço escolar, pois todo ser humano, desde o nascimento até a morte, está em permanente processo de aprendizagem e subjetivação. A ação da escola deve ser uma estratégia, “um cenário de ação que pode modificar-se em função das informações, dos acontecimentos, dos imprevistos que sobrevenham no curso da ação” (Morin, 1996: 284-5), uma arte de trabalhar com a incerteza, com o pensamento complexo, um pensamento que sabe que sempre é local, situado em um tempo e em um momento; não um pensamento completo, onisciente, pelo contrário, um pensamento que sabe de antemão que sempre há incerteza.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Novas Tecnologias: Instrumento, ferramenta ou lemento estruturante de um novo pensar?

No texto “Novas Tecnologias: Instrumento, ferramenta ou elementos estruturantes de um novo pensar?” elaborado pela professora Lynn Rosalina Gama Alves, inicialmente é relatado um breve histórico da utilização do computador na escola desde a década de 70 até o ano de 1998. No início a sua utilização era meramente instrumental visando atender a preparação do aluno para o mercado de trabalho comparando-se os laboratórios das escolas aos cursos de informática.
Houve o desenvolvimento e o crescimento de softwares educativos, que na maioria das vezes eram traduções de softwares americanos e caracterizaram-se por transmitir informações de modo pedagogicamente organizado, como se fossem um livro animado, um vídeo interativo ou um professor eletrônico. Esta perspectiva deixava os professores apreensivos, receando serem substituídos pela máquina.
As empresas desenvolvedoras de software educativo apresentavam uma diversidade de recursos multimídias, mas no que se refere a construção de conceitos e interatividade entre o usuário e o software não permitem nenhuma criação por parte do aluno-usuário.
A leitura hypertextual aqui, é compreendida como o rompimento de uma dimensão hierárquica, linear, seqüencial, instaurando uma dimensão hierárquica, linear, seqüencial, instaurando uma dimensão heterárquica, que para FAGUNDES (1997), garante uma autonomia na tomada de decisões, rompendo com as amarras da seqüencialidade linear, onde a cada teia de conexões, surgem caminhos sempre originais, resultantes de razões individuais e de negociações coletivas.
Utilizar o software pelo software implica em empobrecer a prática pedagógica, mantendo uma postura tradicional frente ao processo de ensinar e aprender, que se limita a transmissão de informações. É, em verdade, uma grande mixagem, que torna inicialmente atrativa a navegação pelo software, mas é logo preterida por se tornar “chata”, limitada, cansativa, repetitiva.
Apesar das recentes discussões em torno das novas tecnologias como elementos estruturantes de um novo pensar, ainda há educadores que reduzem estes elementos a meros instrumentos ou ferramentas que apenas ajudam na condução da aula, ilustram, animam, enfim, o mesmo modelo de educação.
Para PRETTO “... o uso como instrumentalidade esvazia esses recursos de suas características fundamentais, transformando-os apenas num animador da velha educação, que se desfaz velozmente uma vez que o encanto da novidade também deixa de existir.”
Os conceitos de instrumento e ferramenta limitam bastante o potencial dos elementos tecnológicos no contexto social e em especial no ambiente escolar, pois nesta perspectiva a tecnologia termina sendo usada para modelar o pensar humana. Esses elementos tecnológicos (TV, vídeo, computadores, Internet, etc...) passam a ser vistos”...carregados de conteúdo, como representante de uma nova forma de pensar e sentir, que começa a se construir, no momento em que a humanidade começa a deslocar-se de uma razão operativa para uma nova razão, ainda em construção, porém baseada na globalidade e na integridade, em que a realidade e imagem fundem-se no processo.
Estamos trabalhando na perspectiva de considerar estas tecnologias como possibilitadoras de uma multiplicidade de visões de mundo, do rompimento com a noção de tempo e espaço, instaurando uma nova forma de ser e pensar na sociedade. Com isso as nossas relações, o nosso modo de aprender e comunicar, são transformados, possibilitando a construção coletiva do conhecimento.
A Internet, assim como o livro, a televisão, informática e outras inovações técnicas, são tecnologias intelectuais, representantes desse novo pensar. Tecnologias intelectuais aqui compreendidas na perspectiva de Levy (1993), como elementos que reorganizam e modificam a ecologia cognitiva dos indivíduos, promovendo a construção de novas estruturas cognitivas.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Comentários do livro corpos mutantes

CORPO CYBORG E O DISPOSITIVO DAS NOVAS TECNOLOGIAS

A atual aceleração tecnológica, impulsionada por desenvolvimentos científicos-tecnológicos mais recentes em campos tão diversos tem propiciado cenários inusitados no que concerne às possibilidades de transformação tecnológica do corpo.
A contínua “mecanização do humano” e a intensa vitalização das máquinas “ e sua integração pela cibernética transgride, senão mesmo apaga as fronteiras do orgânico e do maquínico, do vivo e do não-vivo, do humano e da máquina. Cada vez mais, a tecnologia investe no biológico e a biologia invade o mundo das máquinas. As fronteiras metafísicas fixadas pelo humanismo que até então demarcavam o dentro e o fora, o interior e o exterior, o natural e o artificial estão se revelando porosas, sujeitas a todo tipo de vazamento.
O computador permite alargar consideravelmente o campo do “vivo” fazendo “viver” através de simulação determinados sistemas complexos capazes de se reproduzirem,manterem-se, auto-regularem-se e evoluírem. A evolução digital que se desdobrou a partir da cibernética circunscreve um vasto espaço de debate sobre ciborgues, replicantes e outras entidades pós-humanas, inumanas, que estão complicando as idéias ocidentais sobre “o que significa ser humano”. A figura emergente do pós-humano parece ser aquela que melhor corporifica as mutações tecnológicas do corpo em curso.
Qualquer pessoa que tenha sido “reprogramada” para resistir à doenças ou mesmo drogada para pensar; comportar-se e sentir-se melhor, é tecnologicamente um ciborgue. O que torna o ciborgue de hoje fundamentalmente diferente de seus ancestrais mecânicos é a onipresença da informação. O ciborgue é uma criatura de um mundo pós-gênero: ele não tem qualquer compromisso com a biossexualidade, com a simbiose pré-elíptica. Não está claro o que é mente o que é corpo em máquinas que funcionam de acordo com práticas de codificação.
Para Haraway, a escrita é, por excelência a tecnologia dos ciborgues - superfícies gravadas do final do século XX. A política do ciborgue é “a luta pela linguagem, é a luta contra a comunicação perfeita , contra o código único que traduz todo o significado de forma perfeita – o dogma central do falocentrismo”.
A antropologia do ciborgue, ao mobilizar, recorrentemente a imagem do ciborgue explorada na ficção científica – consubstancia no par ambivalente velho/novo, não deixa de utilizá-la como estratégia discursiva para legitimar seu próprio campo de saber-poder ao fazer circular um dado regime de visibilidade-dizibilidade sobre as relações contemporâneas corpo e tecnologia.

UMA ESTÉTICA PARA CORPOS MUTANTES

Num contexto de intensas mudanças, em muitos aspectos da vida humana, a metamorfose passa a ser a regra. Nenhuma forma é obtida. O que há é rascunho, traços soltos, experimentos, sombras, indefinições.
O movimento veloz e contínuo faz o indivíduo experimentar e exercitar outros valores: tudo deve estar pronto para o uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea.
A mutabilidade progressiva cada vez mais condiciona e metamorfosea todos os aspectos da nossa vida, sobretudo o nosso corpo. O culto ao corpo está intimamente vinculado ao desejo de modificá-lo, a modificação corporal é parte integrante do processo de mudança que as chamadas novas tecnologias promovem no sujeito e na sociedade.
A promessa fascinante de um ganho suplementar de saúde, juventude e beleza conquistou um espaço inédito nos meios científicos e artísticos, na mídia, em todas as esferas do nosso cotidiano. Aposta-se cada vez mais em qualquer promessa que prolongue a juventude e adie, indefinidamente, a morte, esse mal que deve obrigatoriamente ser postergado.
Em todo o mundo existem centenas de cientistas pesquisando tecnologias para que seres humanos recuperem sentidos ou movimentos, superem limitações e ampliem capacidades físicas e mentais. A idéia é que o corpo da máquina e o corpo do homem se integrem numa nova realidade, que a tecnociência promova intensas confusões corporais entre o orgânico e o inorgânico, o natural e o artifício. As máquinas passam a ser artefatos protéticos, Às vezes celulares, componentes íntimos, partes amigáveis de nós mesmos.
O cientista Kevin Warnick defende a idéia de que como ciborgue nossas capacidades humanas evoluirão tecnologicamente, serão ampliadas, poderemos ter mais possibilidades de memória ou de processamento de informações, capacidade extra-sensorial, habilidade de nos comunicar ou operar máquinas apenas com o pensamento.
Esse corpo ampliado pelas próteses biotecnológicas intui e desenha a nossa super-humanidade. A robótica e a engenharia genética não trabalham separadas, seus produtos e técnicas são complementares. Com elas, a verdadeira questão não é mais a produção do homem artificial, mas a produção artificial do homem. Saímos definitivamente do domínio da pele e entramos nas profundezas do corpo.
Na atualidade, a matéria-prima da Engenharia Genética, muitas vezes, são as células tronco, presentes na medula e, em menor escala, na corrente sanguínea, que tem a capacidade de se transformarem em qualquer tecido.
O corpo se tornou o lugar ideal para todo o tipo de experimento da biotecnologia, investimento da economia de mercado e o principal objeto de consumo no capitalismo avançado.
Na era do capitalismo avançado e da mercantilização veloz do corpo é urgente remodelar a vida, gerar mutantes, programar o futuro genético. No mercado e sob as leis do mercado os fragmentos intercambiáveis do corpo humano geram lucros exorbitantes e aceleram o utilitarismo biotecnológico.
Somente o corpo revisado, corrigido e projetado pelas técnicas, comercializado no varejo, é digno de valor e celebração. Com a informática, a robótica e a engenharia genética, tornou-se tarefa do culto ao corpo aperfeiçoar o material orgânico que a evolução natural legou à nossa espécie.
Sob a lógica do consumo, são deflagrados novos hábitos e comportamentos, onde cada um passa a ser responsável pelo gerenciamento da aparência e dinâmica física e mental, comprometido com fluxos, velocidades e imediatismos, visando resultados praticamente instantâneos.
Essa estética para corpos mutantes ressalta que os velhos determinismos podem ser transformados em determinação livre. Prega uma forma de democracia corporal baseada nas experimentações e modificações promotoras da felicidade. Redesehar-se segundo a ordem do desejo individual e adotar as tecnologias mais modernas, para definir e promover o corpo amado, passam a ser objetivos que resultam na interação do sujeito com o seu meio tecnológico.

OS PERCURSOS DO CORPO NA CULTURA CONTEMPORÂNEA

O corpo canônico é, em essência, resultado de um conjunto de investimentos em práticas, modos e artifícios que visam alterar as configurações anatômicas e estéticas. É o corpo tido e apresentado como desejável nos meios de comunicação de massa, muitas vezes transformado em mero simulacro espetacular da imagem do que seria o corpo ideal.
Para compreender o sentido da corporeidade canônica da cultura de massa é fundamental compreender o percurso do estatuto do corpo no Ocidente até a sua elevação a elemento de culto e investimento de afeições simbólicas, o que permite situar o conjunto de transformações sociais e políticas que possibilitaram a retirada do corpo do lugar de objeto praticamente clandestino e o conduziram ao status de elemento fundador da subjetividade e da identidade na esfera pública. O espaço privilegiado para a análise do corpo canônico é a cena midiática.
A corporeidade canônica é caracterizada como aquela que recorre à adoção voluntária de um conjunto de práticas, técnicas, métodos e hábitos que têm como firme propósito (re)configurar o corpo biológico, transformando-o em um corpo potencializado em seus aspectos estéticos e em suas formas de gênero: grosso modo, homens musculosos e mulheres de seios voluptuosos e curvas definidas. O descortinamento corporal foi, em larga medida, respaldado pelo avanço médico e científico, que contribuiu de maneira decisiva para a exposição do corpo e para a sua transformação em objeto de investimento de técnicas de reformulação.
Órfão dos grandes ideais e das certezas que norteavam a humanidade, o homem é estimulado a voltar-se para o individualismo, para a própria imagem, para o culto ao próprio corpo, último reduto de apego, fidelidade e adoração.
O culto de si constitui um fenômeno de mutação sociológica global, chamado por Gilles Lipovetsky de individualismo contemporâneo, caracterizado por uma nova forma de sociabilidade, regida pelo estímulo incessante de novas necessidades.
Na cultura contemporânea, o que não é desejável quase sempre é assustador. Os corpos são definidos ou alterados pelo efeito do que se diz sobre eles, esse silenciamento sobre os corpos não-perfilados ao projeto canônico cronifica o seu estatuto de dissonante.
Para fugir da mais leve associação com a monstruosidade real, seja via obesidade ou velhice, recorre-se aos cada vez mais sofisticados e eficientes processos visando a construção de um corpo canônico.

O CORPO E A EXPRESSÃO VIDEOGRÁFICA: A VIDEOINSTALAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE UMA NARRATIVA CORPORAL

Os padrões estéticos ditados pelo mundo fashion vão além da prescrição do que vestir, interferindo na construção social do corpo. Vive-se um tempo de extremo inconformismo com o próprio corpo , a tal ponto que a modificação do físico através de interferências cirúrgicas, implantes e mutilações, que só se tornaram possíveis com, o desenvolvimento da alta tecnologia, são ações corriqueiras e banais.
A necessidade de se expor em conformidade com os padrões corporais do momento, busca sua validação em representações de mitos televisivos e imagens que são efêmeras ao extremo, caracterizando assim a obsolência do corpo, que passa a estar em constante necessidade de atualização. Essa corrida por padrões cada vez mais distantes e inatingíveis gera um imenso vazio que potencializa a eterna insatisfação do homem moderno.
O desenvolvimento da performance e da videoarte, em constante diálogo de superação com o espaço, como fuga e reflexão sobre o caráter mercadológico da arte e de toda estrutura, vai se agregar aos muito falares na contemporaneidade, onde o corpo é elemento fundamental, seja pela sua plasticidade ou até mesmo pelo inusitado de suas ações.
O corpo emerge em um período no qual a inquietação de diversos artistas tomados pela idéia da chamada antiarte, desperta novas maneiras de ressignificar a estética e a prórpia definição de arte. O corpo assume um lugar estratégico para a ação artística., aproximando-se da idéia do artista de ser simultaneamente o sujeito e o objeto da criação, comportando um só tema, o artista, o retrato, o seu corpo.
Procedimentos como performances, happenings, ações, body art serviram e servem como forma de testar os limites físicos e morais do “corpo histórico”. Denomino corpo histórico o corpo que se inscreve como lugar de acontecimentos, ou seja, o corpo que é fruto das transformações culturais, sociais, econômicas e estéticas.
Como forma de dar visibilidade às experiências sensíveis e Às mutações que a sociedade industrial produz, a fusão entre arte e tecnologia coloca a experiência do corpo numa dimensionalidade ampliada trabalhando o corpo, os sexos, extraindo o máximo das potencialidades significantes dos novos meios. A videoarte em seus primórdios surge como agente potencializador das performances. Para o homem ocidental, é imperativo não só ter um corpo “aceitável”, mas sobretudo belo. Quem não consegue atingir os códigos simbólicos, metas para estar em conformidade com os moldes vigentes, é excluído, não alcança aceitação e admiração.
Como criticar a moda se ela é o próprio espelho da sociedade e o seu meio? Funcionando como mediadora, a moda, customiza também o corpo. A customização que, anteriormente, era apenas da indumentária, parte para o corpo, penetra na pele, age dentro do organismo.
A perda de identidade motivada pela busca incessante para atingir outros padrões de beleza direciona o homem contemporâneo a uma negação de sua própria herança genética, causando um afastamento crescente dos seus laços familiares, étnicos e sociais. Segundo Baudrillard: “Estamos trabalhando ativamente na “dês-informação” da nossa espécie por meio da nulificação das diferenças”. Percebe-se a desconstrução do “indivíduo”, que passa a estar cada vez mais passivo dentro do seu meio, alheio às informações e às significações de sua cultura.
A utilização do corpo como meio de expressão artística, tende hoje a recolocar a pesquisa das artes no caminho das necessidades humanas básicas, retomando práticas que são anteriores à história da arte, pertencendo a própria origem da arte.
A maneira de expressar-se através da fotografia revelou a dinâmica moderna e suas transformações. Buscou-se compreender e dialogar por meio das imagens, os anseios e descobertas do mundo moderno, onde as relações de uma sociedade pautada em sistemas que tratam de intermediar o tempo e a produção tornam-se evidentes.
Somando a fotografia à criação dos grandes estúdios de Hollywood, nos anos 30 e 40, houve a industrialização do cinema norte-americano, os moldes da modernidade vão estar caracterizados e sendo segmentados, através desta indústria que já se imprimia como uma poderosa máquina. Os ideais de beleza passaram a ser determinados através das telas de cinema e posteriormente com o surgimento da TV, esses vetores tornaram-se cada vez mais mutáveis.
O corpo é uma fonte inquietante e transversal de comunicação, sendo palco de apresentações e de celebrações na cultura ocidental, ampliando o sentido do fazer artístico e trabalhando as potencialidades dos novos meios.

A PERFORMANCE DO HÍBRIDO: CORPO, DEFICIÊNCIA E POTENCIALIZAÇÃO

Pensar a relação entre corpo e máquina, entre sujeito e objeto, e buscar entender de que forma se estabelecem identidades e significados sociais e culturais, que não desfrutam da visibilidade hegemônica, remete-nos a olhar para práticas e fenômenos sociais que, apesar de terem uma inegável dimensão cultural, parecem residir em uma zona de pouca visibilidade e aceitação.
O processo de subjetivação dos sujeitos contemporâneos tem-se pautado na construção de suas identidades assumidas, contida ou abertamente , a partir de um referente considerado “normal”, qual seja, de homem branco, heterossexual, de classe média urbana e cristão. As identidades que não se ajustam ao padrão descrito como referência são constituídas como identidades diferentes, marcadas fortemente pela norma.
É difícil negar que, neste momento e nesta cultura, ainda nos enquadramos – a nós e aos outros - em um tipo de identidade a partir de significados atribuídos à nossa aparência corporal.
Os processos de gestão da aparência, de cuidados de si, que inscrevem e reconhecem naquele corpo que não apresenta os mesmos atributos, aquilo que HALL chamou de marcas de diferenciação.
As histórias de corpos diferentes, suprimidos, expulsos dos espaços culturais hegemônicos, remetem-nos a lugares proibidos, ora maculados pela piedade, ora escondidos pelas sombras das forças estéticas da normalidade.
Essa obsessão contemporânea pelo corpo esbelto, de acordo com Soares e Fraga, constituiu-se a partir do processo de industrialização da sociedade nos séculos XVIII e XIX, e estabeleceu critérios produtivos na avaliação da estrutura do corpo, ou seja “a busca da composição corporal equilibrada estava intimamente ligada ao princípio de retidão do corpo e da rigidez do porte”.
As performances destes corpos representados hegemonicamente como desqualificados e ineficientes, na medida em que são significados por diferentes situações “naturalizadas”, evidenciam práticas discursivas intensamente atravessadas pela relação entre corpo e tecnologia.
Para Virilio (1996), as tecnologias são hoje mais precisas e potentes que o corpo humano, muito mais que nossas frágeis aptidões humanas, o que nos garante novas e urgentes possibilidades de performance. Para ente autor, o processo de potencialização se estabelece a partir do instante em que estendemos as capacidades do corpo, utilizando, especialmente, recursos tecnológicos.
Anteriormente se poderia dizer que a tecnologia é uma ferramenta para o espírito agir sobre a natureza que lhe é exterior. Hoje, contudo, ocorre uma internalização da ação da técnica, como se a tecnologia se dobrasse sobre si mesma e se auto-afetasse. É difícil negar que a influência da tecnologia nas sociedades ocidentais tem um lugar capital dentre as questões que emergem como prioritárias nas sociedades modernas.
Para a tecnociência, a carne do homem presta-se a estorvos, está a caminho da obsolência, portanto, a assimilação mecânica, o aditivo tecnológico, ressoa como uma reparação e traduz, na contemporaneidade , o residual digno do que sobrou de sua materialidade biológica.
O atleta portador de deficiência resignifica seu corpo híbrido, investindo nas possibilidades e apropriações tecnológicas potencializadoras, a partir da necessidade de sobreviver, nem tanto à urgência contemporânea, mas principalmente, às rotinas de sua existência.
Devemos olhar para o corpo do atleta portador de deficiência como aquele que promove um borramento de fronteiras. Recortado, maquínico, com deficiência, mas tecnológico, biológico e instrumental, obsceno e monstruoso: um corpo de significados e formas plurais que, interpelado por práticas discursivas, transita pelo território da superação e do limite.